A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), traz em um de seus pilares a inovação tecnológica. As contratações públicas são idealizadas em um ambiente eletrônico, não só na disputa entre os licitantes, mas durante toda sua instrumentalização. Toda a interação entre os agentes internos e externos de uma contratação pública deve ocorrer da forma eletrônica, maximizando o princípio do julgamento objetivo e da isonomia. Como exemplo, temos o inciso VI, do art. 12, que dispõe que, numa licitação, “os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico”.
Há de se considerar, ainda, que o Portal Nacional de Contratações Públicas – sítio eletrônico oficial onde todas as licitações, dispensas, inexigibilidades, atas de registro de preços e contratos administrativos serão divulgados e disponibilizados na íntegra – surge como grande catalisador das compras públicas realizadas em todo o país, razão pela qual a lógica exige que as licitações com base na Nova Lei de Licitações sejam obrigatoriamente divulgadas no Portal, conforme art. 174, I, da referida norma. Portanto, ao delinear o universo das contratações públicas como um mundo virtual, o óbvio exigia que todas as publicações fossem restritas às formas eletrônicas.
No entanto, por mais anacrônico que pareça imaginar um cidadão indo à banca de revistas comprar o jornal do dia para ler as notícias que estão disponíveis em seu celular, o Congresso Nacional, em 1º de junho de 2021, derruba 5 (cinco) vetos da Presidência ao texto original da Lei nº 14.133/2021, o que promove o “retorno” da compulsoriedade de publicações impressas na Nova Lei de Licitações. A publicação das licitações, que seria exclusiva no Portal Nacional de Contratação Pública, volta a ter a necessidade de se fazer presente nos solenes “diários oficiais” e nos cada vez mais declinantes “jornais diários de grande circulação”. Eis texto do parágrafo temporão:
Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput, é obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação.
Sim, meus amigos, a mídia impressa ainda respira, pelo menos no que depender das verbas públicas para sua manutenção, após o grande lobby acolhido pelo Poder Legislativo Federal. Afinal, especialmente na administração de âmbito municipal, sempre é oportuno divulgar os feitos da municipalidade no jornal local, agregados à demonstração de investimentos e fomento ao mercado local, com a informação das licitações lançadas pelo ente público.
Todavia, como a Lei deixou de definir o que seria essa “grande circulação”, nada impede que a legislação específica de estados e municípios, na ausência de meios de comunicação com essas características, tornem desnecessária tal publicação, ou vinculem, igualmente, à publicação eletrônica em mídia institucional diária, como as redes sociais. Enfim, há doutrinadores que interpretam o parágrafo primeiro, do art. 54, acima transcrito, como norma materialmente específica, ou seja, norma federal, em que pese se encontre numa norma geral, e, pois, não precisaria estar replicada em legislação municipal ou estadual/distrital[1].
Evidente que, por mais cringe que pareça a leitura de jornal impresso, não se pode olvidar que se trata de mais um elemento que visa a conferir ampliação da publicidade das licitações, mesmo que duvidemos da eficácia de tal medida em detrimento do incentivo à maximização da utilização da internet, através dos sítios eletrônicos oficiais. Importante que cada ente público, ao regulamentar a Nova Lei de Licitações, crie formas de não tornar o custo do procedimento mais oneroso.
Ao nos encaminharmos par ao final, não podemos deixar de mencionar outra curiosa cafonice da Lei 14.133/2021: a manutenção da divulgação de uma modalidade de licitação no tradicional MURAL das repartições públicas. Isso mesmo! O leilão, modalidade utilizada para a venda de bens móveis e imóveis, além da divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas, no diário oficial e no jornal diário de grande circulação, ainda precisa ser disponibilizado no mural. Vejamos o texto do parágrafo terceiro, do art. 31:
Art. 31 (...)
§ 3º Além da divulgação no sítio eletrônico oficial, o edital do leilão será afixado em local de ampla circulação de pessoas na sede da Administração e poderá, ainda, ser divulgado por outros meios necessários para ampliar a publicidade e a competitividade da licitação.
Caríssimos leitores: é muito mais eficaz o edital do leilão ser divulgado em mensagem de voz pelo “carro do ovo” (o que, diga-se de passagem, a lei não veda) do que ter seu edital fixado num mural, no átrio da sede da administração pública, que geralmente não é o local onde os cidadãos procuram saber sobre o que a Administração vai fazer com aquele veículo sucateado ou com aquele mobiliário rico em proteína cupim. Pois bem, novamente, sob o pretexto da ampliação da publicidade, o texto da Lei nº 14.133/2021 abrigou práticas obsoletas e de eficácia duvidosa, perdendo grande oportunidade de incentivar um mercado integralmente eletrônico de compras públicas, condizente com a Administração Pública desejada no século XXI.
Por isso, não se espantem; os jornais impressos e os murais ainda terão vida longa, pelo menos no que depender das licitações públicas.
[1] Nesse sentido: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas, São Paulo: Juspodivm, 2021, p.313.
cidadãos procuram saber sobre o que a Administração vai fazer com aquele veículo sucateado ou com aquele mobiliário rico em proteína cupim. Pois bem, novamente, sob o pretexto da ampliação da publicidade, o texto da Lei nº 14.133/2021 abrigou práticas obsoletas e de eficácia duvidosa, perdendo grande oportunidade de incentivar um mercado integralmente eletrônico de compras públicas, condizente com a Administração Pública desejada no século XXI.
Por isso, não se espantem; os jornais impressos e os murais ainda terão vida longa, pelo menos no que depender das licitações públicas.
Luiz Eduardo Zanoto
- Advogado OAB/SC 53.405-B.
- Especialista em Direito do Estado e MBA em Planejamento Tributário.
- Vencedor do Concurso de Palestrantes do Grupo Negócios Público.