Priscilla Vieira é advogada e professora especializada em licitações e contratos e nos escreve um texto especial sobre como ficará a situação das licitações durante (e depois) da pandemia do Coronavírus.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde classificou a doença causada pelo Coronavírus 2019 (COVID-19) como uma pandemia. Neste exato momento que escrevo, já são mais de 300 casos de brasileiros infectados pela COVID-19 e quatro mortes confirmadas no país. Mais de 11.000 casos são suspeitos, conforme a Plataforma Integrada de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (IVIS).
Quando a Lei nº 13.979 foi publicada, em 06 de fevereiro de 2020, dispondo medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus, não havia sequer um caso confirmado no País. Agimos com antecedência no plano normativo, mas na prática, ainda pairam dúvidas sobre a magnitude da doença que se espalha de forma veloz pelo mundo.
Vinte e um dias depois do primeiro caso confirmado de Coronavírus no Brasil, todos os governos estaduais publicaram seus decretos emergenciais, prevendo a dispensa de suas licitações, temporariamente, para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus, de importância internacional.
O art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, prevê que “ressalvados os casos especificados na legislação” afasta-se a Licitação, mesmo ela sendo viável.
Nas situações emergenciais (art 24, III, IV, XXXV), o fator tempo é crucial para o atendimento do interesse público. Uma licitação pode durar meses para ser concluída e o processo burocrático vai de encontro ao que se busca, ou seja, servir a população o mais rapidamente possível, em obras, aquisições e serviços necessários que a situação emergencial requer.
Importante ressaltar que esse tipo de contratação direta limita-se aos bens e serviços necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa, desta feita, o art. 4º, § 1º, da Lei 13.979/2020, dispôs que a dispensa de licitação é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus.
Para aquele Licitante que se encontra na linha de frente de fornecimento, serviços e obras que possam atender as necessidades decorrentes da emergência, as chances para um bom negócio aumentarão neste tempo de crise.
Com o regime de quarentena, as suspensões temporárias de reuniões e sessões públicas, implantação do teletrabalho, restrição do acesso ao público nos órgãos, é provável que o número dos pregões eletrônicos para atender a máquina administrativa aumente, afinal a máquina não pode parar de girar, pois outras necessidades, outras doenças, outros interesses públicos não deixarão de existir em tempo de Coronavírus.
Por outro lado, também é provável um cenário em que haja um aumento do número de agentes públicos doentes e a consequente diminuição do corpo administrativo, podendo haver um recuo na realização dos certames licitatórios.
No surgimento do Decreto 10.024/2019, o qual regulamentou a licitação, na modalidade de pregão, forma eletrônica, e o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal e de todos os entes federativos que utilizarem os recursos da União, decorrentes de transferências voluntárias, muito se discutiu a capacidade e estrutura física dos entes subnacionais se adequarem ao novo Decreto.
Eis que, em um curto espaço de tempo, com a entrada do Coronavírus no país, todas as situações adversas foram se apequenando diante da gravidade do que se aproxima, passando a modalidade eletrônica de licitação a ser mais que uma obrigatoriedade legal, uma saída frente ao isolamento compulsório dos agentes públicos.
Aliás, se a dispensa eletrônica estivesse efetivamente implantada, a Administração Pública, hoje, possuiria um instrumento valioso neste momento de crise, dando maior transparência às contratações e facilitando o acesso de mais licitantes nos processos de dispensa.
Quanto à publicidade, a Lei estabeleceu que todas as contratações ou aquisições realizadas serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na Internet, contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.
E quanto às licitações presenciais? Com os decretos estabelecendo a restrição de acesso aos prédios públicos, os licitantes poderão participar dos certames com a entrega dos envelopes de habilitação e proposta mediante envio postal ou, se o órgão permitir, por meio de protocolo físico. Caso o edital proíba essa possibilidade, é de fundamental importância que o Licitante impugne o instrumento convocatório, pois nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, já se manifestou:
“O edital não pode conter restrições ao caráter competitivo do certame, tais como a proibição do envio de documentos via postal; exigência de balanços patrimoniais do próprio exercício da licitação; exigência de comprovação da capacidade de comercialização no exterior e de certificado profissional, em caso de profissão não regulamentada.” (Acórdão nº 1.522/2006, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo).”
Uma alternativa para ampla participação dos licitantes nas sessões públicas presenciais é a possibilidade de transmissão ao vivo do certame, sendo a Prefeitura de São Francisco do Sul, do estado de Santa Catarina, exemplo de como é possível usar da tecnologia a favor do interesse público.
Não é demais ressaltar que nas sessões em que os licitantes não estão todos presentes, a comissão de licitação ou o pregoeiro devem publicar suas decisões das fases de habilitação e proposta, oportunizando vistas dos documentos aos licitantes, podendo, em caso de restrição de acesso público ao órgão, enviar aqueles, escaneados, via e-mail, para os participantes.
Em relação aos contratos já firmados, os contratados que se sentirem prejudicados, havendo o desequilíbrio da equação financeira da relação firmada com a Administração, é devido o reequilíbrio econômico-financeiro, por ser a pandemia fato imprevisível de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.
O fato é que, mais do que o interesse econômico-financeiro envolvido, as medidas de enfrentamento à emergência instalada no país requerem um esforço comum, e agora, mais do que nunca, uma compreensão e uma sensibilidade de ambas as partes envolvidas nos processos administrativos licitatórios e contratuais, na busca de soluções para os problemas emergentes da Administração Pública.
A pandemia do Coronavírus, seguramente, tornará em evidência, que o estreitamento da relação público-privada é o caminho para alcançar com eficiência, o interesse público almejado.
Priscilla Vieira